quinta-feira, 2 de julho de 2009

Cidades Visíveis

Impressões de uma nordestina em São Paulo Uma cidade pode ser vista das mais variadas formas: depende da maneira de como você a olha: se de cima, de baixo, de bicicleta, plantando bananeira, se triste, alegre, humilhado, irritado, bem humorado. Vejo duas cidades sem me comprometer em dizer apenas a verdade, comprometo-me com meu senso de humor e com as imagens que se formam em mim, limitando-me a falar apenas do que senti, não do que está fora e foge ao meu alcance.

Como passei a infância na zona rural de Teresina, Piauí, fazia uma grande festa quando tinha que ir para a cidade com os meus pais para fazer as compras todo fim de mês, pois perto de casa só havia quitandas. Eu, tão pequena, era engolida por um ser estranho e enorme que apresentava novidades em cada esquina. Não desgrudava da barra da saia de minha mãe para não me perder e fiquei desesperada quando, certa vez, parei para comprar um picolé com uma moedinha que encontrei caída e quando procurei mamãe não a encontrei mais. O que seria de mim perdida naquela cidade? A quem pedir ajuda? Comecei a chorar quando senti uma mão apertando meus braços fortemente. - Já te disse para não se afastar. Vambora moleca! Fiquei feliz em ouvir sua voz, embora ríspida. Cresci e meu mundo também. Nos mudamos para cidade porque mamãe queria que os filhos completassem os estudos. Em Barreiros, onde morávamos, havia apenas uma sala de aula e uma professora que dava aula para quatro séries juntas.

- Agora o pessoal da terceira, os outros podem ir brincar lá fora... E começava a rabiscar com o giz na lousa. Os outros saíam e iam brincar de esconce-esconde, amarelinha, boca do forno, bila, passa o anel, tuum-tum... quem bate? sou eu. Eu quem? Anjo bem. Quando fomos para Teresina, os lugares aterrorizantes já não faziam tanto medo assim e eu já sabia andar no Centro sem me perder. Com o passar do tempo, a vontade de ser engolida de novo me empurrou para São Paulo, logo após um ciclo fechado em minha vida.

- Você vai mesmo para aquela Selva de Pedras? Perguntou-me Regina, uma conselheira.
- Minha filha, os ônibus de lá são muito lotados e tem muita enchente. A gente vê na televisão todos os dias, alertou minha mãe.
- Eu vou, birrei.
- Boa sorte, me desejaram todos.

A gente faz uma idéia de São Paulo como se fosse um outro mundo, um sonho, mas quando chegamos tudo é diferente, talvez porque nossa imaginação voe longe demais. Descobri que São Paulo também é uma cidade que a maioria dos paulistas desconhece. Sim, porque existem duas cidades dentro de uma só: a do Teatro Municipal, Avenida Paulista, Brooklin, Moema, Morumbi, Ibirapuera, Masp, Mackenzie, Usp e tem a dos cortiços no Centro, das periferias abarrotadas de analfabetos, do Capão Redondo, de crianças que moram embaixo de viadutos e se drogam a luz do dia.

Certa vez, andando pela Rio Branco olhei nas pupilas vermelhas de um garoto de mais ou menos nove anos. Seus olhos eram tristes de cola e desesperança. O que será que ela espera do futuro? Vi pessoas brotarem do chão nas calçadas e nas praças. Brotam como flores diante de nossos olhos, mas não cheiram a rosas, margaridas ou girassóis, têm um cheiro acre, azedo, fétido, uma mistura de sujeira com urina que impregna em nossas narinas e nos afasta indiferentes em vez de (a)colher. Homens, jovens, crianças dormindo embrulhadas em cobertores xadrez ao lado de lixo, perto do terminal de ônibus Princesa Isabel, talvez sejam descendentes dos escravos 'libertados' por ela.

Telhado de vidro

As favelas daqui são diferentes das de lá, umas são de telhado de zinco outras de telha e palha de coco. A semelhança se encontra na miséria feia e vergonhosa. Na terra da garoa, o menor espaço faz toda a diferença, as pessoas cavam embaixo da terra e constroem suas casas amontoadas em cima de morros, onde, às vezes, para chegar precisam entrar e sair de diversos becos. Com as casas muitas juntas, não há espaço para o quintal. Ah, o quintal... quase sagrado nas casas teresinenses, onde geralmente se encontram plantadas árvores frutíferas, em especial, caju, manga, umbu, siriguela, goiaba, acerola e entre suas folhas se prendem os varais para estender as roupas ao sol, depois de lavadas no tanque, porque é difícil alguém ter máquina de lavar. Secadora é desnecessária porque com o sol a pino as roupas secam rapidinho.

No quintal as crianças brincam com terra, se sujam de lama e fabricam ônibus e caminhões de brinquedo com latas de cerveja e sardinha. Mas a pobreza é pobreza em qualquer lugar, junto dela a desordem e a sujeira onde se vê constantemente crianças com o nariz escorrendo, descalças, com a barriga cheia de vermes e a cabeça, invariavelmente, de piolhos. Lá, o poder público está em quase todas as casas onde cartazes de políticos colados na sala principal com sorriso branco e cara saudável pendem das paredes. Parecem etéreos e o são para aquelas famílias que confiam seus votos e suas vidas para novamente serem esquecidas. Ao lado do político, quadros de todos os santos, da Santa Ceia, do Coração de Jesus, da Virgem Maria. Se Deus quiser tudo vai melhorar...

Na maioria dos bairros residenciais, à tardinha, as pessoas colocam suas cadeiras de macarrão nas calçadas e observam os outros passarem, o tempo, o céu. Sempre se aproxima uma vizinha e a conversa gira em torno da vida alheia.

De vez enquando meu celular toca. Vejo o DDD 86. É sempre um amigo perguntando:

- E aí, como vai a vida em São Paulo?

Tanto aqui com lá, nas favelas as casas são peladas, dificilmente têm reboco e estão sempre incompletas. Falando em moradia...Em alguns bairros paulistas, as pessoas moram em apartamentos onde relaxam em frente à TV, lêem livros, olham a vida pela janela onde não vêem árvores, a não ser as de concreto, feias como caixas de papelão sem graça, avistam aqui ou ali algum jardim onde há um placa: "Este lugar é preservado pela empresa X". Depois vão para seus quartos, dormem, saem do apartamento, descem de elevador, pegam seus carros no estacionamento subterrâneo, estacionam na empresa, sobem pelo elevador e se trancam o dia inteiro em suas salas confortáveis. Depois pegam o caminho de volta... E todo dia isso se repete. Em Teresina, tem gente que já vive assim, pois a cidade passa por um processo de verticalização.

Voltamos a Sampa no tempo e no espaço quando em algumas passadas você está, quem diria? No Japão. É só alcançar o bairro da Liberdade com suas luminárias vermelhas e brancas características daquele país e um monte de japonezinhos miúdos andando de lá para cá dizendo palavras incompreensíveis para mim na praça da Liberdade, perto da Capela de Santa Cruz onde se queima velas em favor de todas as almas.

Aqui tem bairro de japonês, italiano, libanês e teresinense. Na Vila Ingá, periferia da zona Sul, a maioria da população é de teresinense que sonhou em um dia mudar de vida e ter mais oportunidade, pois como em todo o Brasil a maioria dos jovens não tem acesso à universidade nem mesmo ao ensino médio porque precisa trabalhar para ajudar os pais a colocar comida na mesa. Como o emprego é difícil, vêm para São Paulo, a terra que emana leite e mel. Ouvem histórias de pessoas que vieram e mudaram de vida, as novelas mostram apenas um lado da cidade, por isso quando chegam e são deslocadas para a periferia, morando em cubículo de uma peça com pouca estrutura e vão trabalhar como peão, descascador de cebola, doméstica, garçom, dançarina em boate e tem que pagar um aluguel caríssimo pelo cubículo de uma peça seus sonhos se desvanecem, mas não morrem porque o nordestino é forte, já passou por coisas piores e com fé em Deus tudo vai dar certo.

Assim, montam suas vidas, têm filhos, ligam para os parentes que mandam mais um irmão ou primo porque lá a situação está brava. Todo mundo vai se ajudando e quando conseguem juntar um dinheirinho vão fazer uma visita aos familiares. Quando chegam são recebidos com festa, pois são "gente importante", "de São Paulo". Aqueles que sentem muita falta, depois de muito lutar aqui resolvem voltar para abrir uma quitanda e morar perto dos seus novamente.

Mas tem teresinense de grana que chega aqui em busca de cursos e de maior especialização. Passar um tempo nestas bandas é uma oportunidade de crescimento profissional e pessoal porque você entra em contato com os autores dos livros e com as mais diversas formas de arte em cada esquina. Fica menos árida a luta por emprego no regresso. Porém, desemprego e filas também são vistos por aqui, principalmente nas agências de emprego situadas na Barão de Itapetininga e Lapa. Filas enormes de pessoas que entregam currículos e observam os homens-sanduíche perdidos em volta às ofertas "Compro Ouro" e de empregos de vendedor e de operador de telemarketing.

Existem muitos vendedores nos trens, eles marretam amendoim, água, chocolate, escova de dente, tesoura, pilha e até cerveja. Gritam forte por causa da concorrência e dos pedintes.

- Com licença senhores passageiros. Quem puder me ajudar com 10 centavos, 5 centavos e até 1 centavo...

Comer, comer, é o melhor para poder crescer

Logo cedo, sinto o cheiro de cuscuz de milho e café fresquinho vindo da cozinha. Abro os olhos e me espreguiço, depois volto a fechá-los e presto atenção na letra da música de Naira Lima. Meu pai já deve ter terminado de fazer o café. Hora de levantar para o trabalho. Esse cheiro me faz lembrar de quando eu era menor e ainda morava em Barreiros, pois minha avó Nega costumava fazer bolinhos fritos em formato de bicinhos, bolo cacete e doce de cajuí quando era época dos cajus.

Quase sempre ia almoçar em casa. No horário de almoço entre meio dia e uma hora, a comida é posta na mesa. Mamãe coloca o arroz, feijão, garrafa d'água, a farinha e a carne de bode misturada com quiabo, maxixe e abóbora, assim que é bom para dar sustância, a comida precisa ser forte e comemos de colher, nada de garfo e faca. Certa vez, mamãe me levou para visitar minha madrinha e na hora do almoço avistou talheres na mesa.

- E agora? Vou passar vergonha, não sei usar essas coisas...

Eu era criança e não entendia nada, nem porque mamãe ficou tão sem graça na mesa olhando para um lado e outro. Ah, minha tia Idelfina come com a mão, o famoso "capitão". Ela sempre me fala que a comida fica mais saborosa. Na cozinha, os teresinenses gostam de maria isabel - arroz misturado com galinha caipira ou carne de sol-, baião de dois - feijão misturado com o arroz - de peixe frito recém pescado no açude ou rio mais próximo, de paçoca de gergelim, rapadura e caldo de cana com pastel.

As massas ficam para um dia especial, aniversários, casamentos, reunião com os amigos ou com a família aos domingos, aí fazem pizzas, lasanhas, macarronada e até arriscamos uma salada diferente, tudo com refrigerante porque suco não combina com massa. O ambiente animado pede um forrozinho bem dançado, de preferência da Calcinha Preta, Magníficos ou Mastruz com Leite.

Em São Paulo não existe hora de almoço e as massas são preferidas. Um sanduíche fast food Matador substitui o arroz com feijão e as pessoas comem em pé mesmo porque têm que voltar ao trabalho. Há muito trabalho a fazer. Comem capeletti, spaghetti, lasanhas, adoram massas, deve ser influência dos italianos. Tem lugar bom e caro para comer, mas também lugar "boca de porco" que serve churrasco grego a 1 real onde a carne fica girando e girando no meio das calçadas. Outra boa pedida é o pão de queijo e os biscoitos Fritz amanteigados encontrados nas estações de trem e metrô. Minha amiga Karla Nery me mandou um e-mail pedindo para eu levar alguns quando voltasse a Teresina e perguntando:

- E aí, como vai a vida em São Paulo?

Caldeirão

Aqui há pessoas das mais variadas nacionalidades: húngaros, espanhóis, ingleses, franceses, bolivianos, japoneses e você os encontra na rua falando suas línguas. Você pode ser você mesmo, sem máscaras e medo. Nas ruas pode avistar um punk com seu cabelo roxo e suas roupas chamativas, ele passa despercebido, assim como o beijo de duas garotas no meio da rua. É natural o namorado dormir na casa da namorada. Uma cidade de contrastes, pois um terno Armani está ao lado dos trapos nas costas do mendigo na Avenida Paulista. Tem muitos bares, teatros, cinemas e apresentações internacionais, os espetáculos daqui só chegam a Teresina quando ficam velhos e esgotam o público.

Há quem diga que lá se vive com um certo atraso, o tempo passa mais devagar, modorrento e que as mudanças demoram a chegar e acontecer. Sinto que lá a cultura não é da velocidade, mas da tradição que é cristalizada na base da sociedade. Não assistimos pré-estréias de filmes, mas temos o Bumba-Meu-Boi, tambor de crioula, festas juninas, o vaqueiro. O meu pai foi vaqueiro, o via como um Deus quando ele aparecia com sua roupa de couro: chapéu e gibão pendendo dos ombros montado em seu cavalo "Sabiá".

- Quando crescer, vou casar com um vaqueiro, sempre dizia.

Mas eles eram inatingíveis participando das vaquejadas em cima de seus cavalos garbosos, laçando o boi, ganhando prêmio e cantando o aboio. ÊÊÊÊÊÊÊ.... BOI.

Em São Paulo a vida é frenética, veloz, de mudanças rápidas e constantes. Nas ruas, muitas pessoas. De onde elas vieram? Para onde elas vão? Por que caminham tão apressadas e se esbarrando umas nas outras? Chega a ser agonizante em alguns momentos, principalmente nos horários de pico na estação Sé quando as pessoas saem assanhadas como formigas quando o formigueiro é pisoteado por um intruso. Por fora, o centro da cidade é sujo, tem muitos viadutos, pessoas moram embaixo deles. No viaduto do Chá, os ciganos te puxam para ler sua mão e sempre tem um repórter de TV no Vale do Anhangabaú para entrevistar pessoas.

Teresina tem o nome nobre - pois é homenagem a Imperatriz do Brasil Teresa Cristina - a Avenida Frei Serafim, a ponte da Amizade que a liga ao Maranhão, o encontro dos rios Poti e Parnaíba, uma floresta fóssil, a lenda do cabeça de cuia que vive nas águas dos rios e não descansará enquanto não matar sete marias virgens, tem a Lili Doces, castanha de caju, Torquato Neto e a cajuína cantada por Caetano Veloso.

Garota do tempo

Aqui se toma muito café e se fuma muito, há chaminés ambulantes em todos os cantos. Certa vez perguntei para a Paula o porquê. Será o estresse? Ela disse que pode ser por causa do frio. O cigarro esquenta. A terra da garoa tem um clima muito instável, as mulheres precisam sair de casa preparadas e com uma bolsa grande para levar guarda-chuva, agasalho, cachecol, camiseta, pois nunca se sabe se vai fazer frio ou calor, mesmo que só saia de casa depois de vê a garota do tempo na TV. Um dia saí pela manhã parecendo uma esquimó e à tarde as pessoas me olhavam como se fosse uma alienígena porque o calor estava a pino. Nessa hora recebi uma mensagem de Herbert de Sousa:

- Ei, esqueceu os amigos? Manda notícias. Como está a vida em São Paulo?

Logo, começou a garoar e resolvi me esconder no sebo do Messias, próximo a Catedral da Sé, acabei levando "Na pior em Paris e Londres" de George Orwell.

Em Teresina, você sempre sabe que vai fazer calor, por isso a garota do tempo não faz muito sucesso. Agora uma coisa é certa: o frio torna as pessoas mais elegantes. As mulheres calçam botas de salto alto com bico fino, meias calças, saias longas e maquiagem. Em Teresina, o calor muito forte faz as pessoas transpirarem, borrar a maquiagem, ficarem desmazeladas com as costas da camisa molhada e aparência de cansaço por conta da fadiga, por isso se usa camisetas, saias e calças jeans com sandália aberta, muito simples. Lá, quando uma mulher coloca uma meia-calça para sair na rua, principalmente à luz do dia, comenta-se logo que ela está com 'pereba' na perna e quer esconder.

O ar-condicionado deveria ser obrigatório em todos os ônibus de Teresina, mas não é e todas as casas deveriam ter, mas a grande maioria das pessoas não tem condições de comprar o aparelho e, mesmo se tivesse, não poderia pagar a conta de energia porque o ar-condicionado puxa muito, a não ser que se faça um "gato". O calor chega a ser tanto que um velho conhecido político do Piauí, Alberto Silva, propôs pintar todas as avenidas asfaltadas de branco, já que esta cor não absorve tanto calor, outro propôs mudar o horário das aulas para que no período de meio-dia às duas horas todos estejam em casa. A população denomina o pior período de B-R-O BRÓ, a terminação dos meses mais quentes do ano: setembro, outubro, novembro e dezembro. Em São Paulo, mesmo sendo mais frio, alguns ônibus e o metrô tem ar-condicionado. Porém, quando faz muito calor o ar fica irrespirável por conta da poluição. Dar para notar no banho quando você vai limpar o nariz e dele sai uma espécie de fuligem.

Como a maioria das cidades piauienses ainda são pequenas não se leva mais do que quarenta minutos para chegar da periferia ao Centro. Aqui tudo muda e algumas pessoas levam mais tempo no trajeto ida e volta dentro do transporte do que trabalhando propriamente. Para compensar as longas horas, a maioria leva consigo um caça-palavras, passa-tempo, revistas mais variadas e livros. As pessoas lêem no ônibus e metrô não somente o conteúdo da prova que vai fazer no primeiro horário ou uma apostilha que o professor vai usar no dia seguinte. Além da leitura, usam disc man durante a viagem, uma forma das estações passarem mais rápidas. Os meios de transporte daqui são muito lotados e as pessoas já chegam no trabalho irritadas e estressadas. Se lhe desejam bom dia, perguntam mal humoradas:

- Bom dia por quê?

Na beira do caos

Um dia quando estava com minha amiga Conceição ela me mostrou o rio Tietê, que tantas vezes ouvi falar por levantar espumas de poluição e invadir casas. Fiquei abismada. Não era um rio, mas um esgoto fétido. Imediatamente pensei nos dois rios que banham Teresina, o Poti e o Parnaíba. No Poti Velho, zona norte da cidade, a maioria das pessoas vive do artesanato da cerâmica e da pesca. Os pescadores jogam suas redes e ainda conseguem pegar peixes grandes, mas as reclamações já podem ser ouvidas na cidade, pois os esgotos também são jogados em nossos rios de forma criminosa. No centrão da cidade, próximo à avenida Maranhão, o rio Parnaíba forma "coroas" de assoreamento. Um ambientalista polêmico local, Judson Barros, já grita pelo rio. Recentemente navegou em uma balsa desde sua nascente até ele desaguar no mar formando o Delta do Parnaíba, um dos únicos do mundo em mar aberto.

Aos domingos, os molecotes vão jogar bola e os adultos comerciantes montam barracas com palha de coco e vendem bebidas, espetinhos, peixe assado na telha. Vão famílias inteiras, mas da periferia porque esse programa é considerado de gentalha. Os "boys" preferem as margens do Poti com suas calçadas arborizadas e a tranqüilidade de ter o shopping Riverside bem em frente, o ambiente é mais elitizado e nos quiosques bonitinhos os donos colocam DVDs para os clientes que chegam em seus carros, se sentam, conversam e azaram a noite inteira.

Sonho que se sonha só

São Paulo é mesmo cinzenta. Engraçado com as estrelas nunca aparecem e a lua se esconde. Parece que a cidade não tem linha do horizonte porque os prédios a esconde. Teresina tem o céu azul e brilhante e as nuvens tomam as mais diferentes formas: algodão-doce no céu, dragões, peixes, urso. À noite as estrelas competem com a lua. Quando eu era criança, minha mãe me dizia que dentro da lua estava São Jorge com seu cavalo branco. Eu olhava e conseguia ver direitinho, só não contava as estrelas para não nascer verrugas. São Paulo deve ser mais cinzenta porque as crianças não podem ver São Jorge dentro da lua, mas não se engane com o cinza, pois esta cor pode ser apaixonante e te prender pelo resto da vida.

Ops, mais uma mensagem no meu celular. É de Flávia Rocha perguntando:

- E aí, como vai a vida em São Paulo?

********
Making Off

Meu trabalho inicial seria uma reportagem sobre Pombo-Correio. Colhi informações com o Sr. José Quintal, presidente da Sociedade Columbófila de São Paulo, mas infelizmente não consegui personagens. Tive que mudar de tema por conta do tempo de entrega do trabalho. Como estava assistindo aulas de ensaio pessoal com Edvaldo Pereira Lima optei por fazer um sobre a forma de como que eu vejo duas cidades que marcaram e fazem parte de minha vida, impressões que se misturam através de reflexões e forma de olhar. O livro "Cidades Invisíves" de Ítalo Calvino me ajudou a compreender melhor e a ter alguns relances na forma de encarar as palavras.

De Teresina, puxei muitos acontecimentos pela memória através de visualização criativa e de objetos que me faz pensar na cidade e naquilo que caracteriza minhas vivências. A outra, São Paulo, procurei visitar e vivenciar alguns espaços, que de alguma forma também se prendem a minha forma de encarar a realidade.

O mapa mental me fez pensar em alguns subtemas que facilitassem para mim, daí surgiram comportamento, comida, arquitetura, clima, tudo isso foi se misturando e refazendo.

Escrever este texto foi difícil porque fiquei com medo de ser preconceituosa e de mostrar cidades que talvez só existam para mim. Edvaldo me tranquilizou quando falou: "Ensaio Pessoal são suas vivências, é sua forma de olhar". Mostrei o texto também a alguns colegas de classe e de Teresina. Eles me ajudaram a podar e a refletir melhor sobre minha forma de encarar esses lugares. Fiquei feliz em ter feito um ensaio pessoal porque me fez bem interiormente, como se eu juntasse peças antes embaralhadas, montasse um quebra-cabeça e ficasse mais consciente sobre mim mesma.

Após escrever o texto senti que ficou claro o contraste entre as cidades. Entre suas semelhanças, pouco destacadas no texto, tem eu mesma e para solidificar esta ponte coloquei em pontos estratégicos mensagens de amigos:

- E aí, como vai a vida em São Paulo?

(escrita em novembro de 2006)

Nenhum comentário:

Postar um comentário